Estrangeira de si mesma | Escritos

domingo, 19 de julho de 2020

Imagem: Google / Reprodução

Leia ouvindo: Billy Joel - Vienna

Quando parti para morar em outro estado pensei que tinha me livrado de antigos sentimentos, pequenas memórias afetivas tão dolorosas quanto escrever esse texto e reviver todas elas. Lembrar o que um sono desregulado embalado de ansiedade pode me causar. É muito doido, porque se isso fosse há três anos, nunca escreveria esse texto em algum lugar público e se escrevesse em menos de uma semana tiraria do ar. Ter que lidar com os pequenos fantasmas do meu passado e ser estrangeira de (si) mesma, se tornou recorrente para a mulher que tem feito sua vida caber numa mala.

Tinha esquecido qual era a sensação de ter uma crise seguida da outra e de ficar entorpecida pelo sentimento de que não conheço os meus próprios sentimentos, que minhas palavras podem ser a armadilha para o que sinto. Nem sempre a literatura ou a escrita ali a espreita no meu diário azul podem me segurar nesse plano.

Algumas coisas por mais dolorosas do que possam ser ditas, cresceram comigo e estão aqui, se curando depois de muitos anos pela leitura de um livro chamado As coisas que você só vê quando desacelera.
"Quando estiver pronto, reúna coragem e tome uma decisão. Embora seu coração não vá dar ouvidos a sua mente, decida perdoar e se livrar das amarras emocionais." pag.104, edição pocket. 
Ainda está bem dolorido as feridas que causei a mim mesma e uma hora ou outras elas voltam à tona, sem que eu sequer lembre que elas existiram. Acredito que encontrar aqueles diários antigos, textos mal-acabados em folhas de rascunho de cursinho e apostilas que se quer toquei, mas escrevi em cima de todas elas o que uma garotinha assustada de dezessete anos sentia, mudaram muita coisa por aqui. 

A minha versão de vinte e dois anos recém completos, já passou por outras situações mais pesadas, complexas e que nem longe a quebraram tanto quanto estranhamento daquele elo de jovem escritora (continuo jovem, mas sinto uma velha escrevendo isso, um dos meus velhos complexos) que odiava ter que assistir aquelas aulas de matemática, ter aulas de domingo à domingo, sem um dia de paz para escrever e não ser mais estrangeira de si mesma.

O que me lembra o longa e o diretor que entrevistei para uma cadeira da Universidade, aquele filme veio num momento crucial. Numa cidade diferente com gente que honestamente me ensinou a como não tratar as pessoas e como não deixar que invadam seu espaço. Essa ferida cicatrizou, mas a lição ficou e que bom sabe. Estrangeiro, longa de Edson Lemos, me mostrou a lição que minha antiga psicóloga dizia sobre eu me comportar como uma mulher de 30 anos e não uma jovem de 19 anos, ainda existia. Toda vez que pontuo essa questão o mundo parece outro lugar ainda mais vulnerável, fui forçada a amadurecer tão cedo que quando me pego pensando em todas as crises pessoais, existenciais, ansiosas e pessoas se aproveitando da minha boa vontade, sentimentos de solidariedade e depois jogando eles contra mim de novo porque decidi  algo que não as agradasse.

É uma grande lição de si mesma, entender suas próprias contradições, seu passado e se abraçar com afeto. 

Ainda não aprendi como fazer isso direito, mas esse processo é bem doído, principalmente entender que ainda tenho resquícios de uma versão de mim que nem sempre foi a melhor possível, porém que sempre esteve disposta a aprender, mudar e buscar o melhor caminho para si mesma, só não tinha gente do lado que soubesse respeitar os seus processos, mas que bom que agora tem.

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